Amazônia verde versus Amazônia urbana: a visão do estelionato urbano
14 de outubro de 2013 |
José Alberto Tostes*
O evento Quitandinha + 50 promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil e CAU Amazonas nos dias 30 e 31 de agosto, oportunizou uma série de discussões importantes a respeito da temática sobre a Amazônia Urbana. Ficou claro e evidente que existe uma repercussão desproporcional entre uma Amazônia verde voltada essencialmente para o contexto da floresta em detrimento de uma Amazônia urbana, tal fato, é acirrado pela maneira como no contexto amazônico ainda é tratado, alheio, às vezes poético, alarmante e irresponsável quando se trata de abordar questões cruciais para o desenvolvimento desta região.
A abordagem sobre o contexto amazônico ocorre sempre em uma esfera distanciada de uma análise conceitual. A abordagem tem sido política, fragmentada, isolada e politiqueira. No âmbito da região, durante décadas estados e municípios tem enfrentado adversidades absurdas em relação aos grandes projetos minerais, agroflorestais, energéticos e tantos outros, a União praticamente se impôs como o agente principal. A imposição destes projetos provocaram mudanças e transformações extremas no cenário de uma Amazônia urbana cada vez mais distante de políticas urbanas integradas e integradoras.
Manaus, talvez seja o exemplo maior destas políticas, a criação da Zona Franca de Manaus, criou uma anomalia, alguns autores, denominam de cidade/Estado, mais de 70% da população do Amazonas está concentrada na capital, acentuou-se a visão distorcida sobre a dimensão dos projetos econômicos na região, ficando clara a ausência de equilíbrio em relação ao desenvolvimento do território. E o que pensar da cidade de Belém? Mudou radicalmente a paisagem urbana a partir da abertura da Belém-Brasília, cidade considerada a “Porta da Amazônia”. Na atualidade, segundo ex-prefeito arquiteto Edmílson Rodrigues em sua apresentação no evento de Manaus, mais de 2/3 dos trabalhadores estão na completa informalidade, contribuindo de forma efetiva para um território urbano clandestino.
As demais capitais: Boa Vista, Macapá, Palmas, Porto Velho e Rio Branco sofreram impactos de diversos outros projetos, sem que houvesse por parte do Governo Federal a mínima preocupação com um conceito de cidade. As cidades amazônicas reproduzem mazelas deixadas por múltiplos projetos, ficaram sequelas urbanas, muito embora, tais projetos tenham tido a abrangência sobre o território geográfico. É comum na paisagem das cidades amazônicas a desestruturação completa do ambiente urbano, tal cenário, reproduziu e acelerou o empobrecimento da qualidade de vida urbana.
De acordo com IBGE (2013), quase todas as cidades amazônicas tiveram diminuição dos índices de desenvolvimento humano, assim como, os indicadores de desenvolvimento municipal não são favoráveis. A questão urbana na Amazônia é um apêndice secundário da questão ambiental. Ao longo de décadas o discurso hegemônico sobre a questão do meio ambiente na Amazônia produziu uma infinidade de ações de proteção sobre o território, em momento algum, as comunidades tradicionais que viviam nestes lugares, sequer foram consultadas. Um dos exemplos está no estado do Amapá, com a criação do maior Parque do Mundo, Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, representa bem este estágio, o parque foi criado à revelia de todos, até os dias atuais, não houve nenhum tipo de medida compensatória para os municípios que tiveram o seu território absorvido por esta ação governamental.
O evento Quitandinha + 50 na cidade de Manaus evidenciou o estagio atual das cidades amazônicas, algo insuportável, concepção que acirra os fatores segregadores de exclusão urbana, elevam cada vez mais um território urbano sem nenhuma preocupação conceitual. O universo simbólico da região e o meio ambiente natural servem apenas para criação de plataformas para curiosos, estudiosos e pesquisadores. A reprodução de políticas frágeis como o programa Minha Casa Minha Vida, configura na prática um resgate anterior do antigo BNH, agora sob a formatação devastadora, casa é apenas abrigo, sem direito aos requisitos básicos de acessibilidade e mobilidade urbana. A reprodução deste programa traduz um contexto insustentável, contribuindo para acentuar os índices de exclusão urbana.
A concepção de uma Amazônia urbana é acentuada quando percebe-se que na rota dos megaeventos das Olimpíadas e da Copa do Mundo, inventa-se um estelionato urbano, a obra denominada de Arena da Amazônia. Esta obra é o exemplo clássico de um país, onde governantes, gestores e políticos em geral estão completamente alheios à realidade nacional, milhões investidos sem levar em conta os benefícios reais relacionados ao processo inclusão social e urbana, vende-se a ideia de que arenas ou estádios seriam apenas a ponta, pois os fundamentos residiam nos alcances da melhoria da qualidade de vida urbana.
Para os manauaras, brasileiros desta importante cidade amazônica, o preço do endividamento será muito caro. Quando analisamos as políticas territoriais e as supostas possibilidades de integração das políticas intersetoriais, são múltiplas as contradições do Estado brasileiro, programas e planos como: Integração Sul-americana (IIRSA); Programas de Reestruturação para Faixa de Fronteira com alcance de mais 580 municípios brasileiros; Plano Nacional de Ordenamento Territorial e principalmente do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) são planos e programas que não dialogam entre si, pior, os critérios adotados para novos financiamentos para os municípios desconsideram a realidade sistêmica de uma suposta integração.
Os recursos do PAC para região norte na área do urbano social correspondem a menos de 6%, tal contradição, é a prova de que os governantes brasileiros vivem em um país distinto dos demais cidadãos brasileiros. Tantas obras foram construídas em décadas na região, apenas contribuíram para o empobrecimento dos municípios e a formação de ambientes segregados nas cidades, os únicos beneficiados foram as grandes empresas, que jamais cumpriram algum tipo de propósito social. Na versão atual, a Arena da Amazônia evidencia que o Estado é fraco, corrupto e alheio ao sentimento de urbanidade. Este contexto, reafirma que os movimentos ocorridos no mês de julho em todo Brasil precisam continuar, mas com uma pauta e com metas claras e definidas.
As instituições e organizações que representam os arquitetos e urbanistas, bem como, os próprios arquitetos e urbanistas precisam urgentemente pensar na inserção por um debate de um desenho social urbano, estamos diante de uma paisagem preocupante, exige uma nova formação conceitual nas academias, trabalhar o perfil de um arquiteto e urbanista mais envolvido com as causas sociais e urbanas. Das vinte principais enfermidades detectadas pelo SUS no ano 2012, 16 são oriundas da desestruturação do ambiente urbano: leishmaniose malária, dengue, diarreia, tifo, fungos, verminose, doenças crônicas do intestino, etc. Estas enfermidades são provenientes da falta de esgoto, ausência de água tratada, habitações precárias e a completa falta de urbanização.
Este cenário-paisagem evidencia que as cidades brasileiras não precisam somente de mais médicos, mas também de arquitetos e urbanistas preparados e qualificados para trabalharem nas ações e execuções de um planejamento urbano, agregador e sistêmico. Por enquanto, estamos vivendo um estelionato urbano em nossas cidades. Neste evento, tive a oportunidade de expor um conjunto de argumentos teóricos, críticos e conceituais para auxiliar no suporte metodológico, precisamos chegar algum Porto… Que seja efetivamente um Porto mais seguro para todos nós. Por enquanto, a Amazônia Verde está na tela no debate, enquanto a Amazônia urbana agoniza!
*José Alberto Tostes é arquiteto e urbanista pela Universidade Federal do Pará (1988), mestre em Historia e Teoria da Arquitetura pelo Instituto Superior de Artes (2000) e doutor em Historia e Teoria da Arquitetura pelo Instituto Superior de Artes (2003). Atualmente é Professor Associado I da Universidade Federal do Amapá (fonte: currículo lattes CNPq).