Arquitetura brasileira perde sua Atalaia
15 de maio de 2014 |
Irã Dudeque*
Em 1958, Ary Garcia Rosa presidia o IAB. Naquele ano, o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) apresentou ao Presidente Juscelino Kubitschek um projeto de lei para a criação do Conselho Nacional de Arquitetura. JK encaminhou o projeto ao Congresso Nacional. Ao longo do processo legislativo, debates ferrenhos opuseram o CONFEA e o IAB. Nas fases finais de aprovação, o CONFEA convenceu o IAB a retirar o projeto de pauta, a fim de realizar alguns “ajustes”. Tal manobra extinguiu aquele projeto.
Durante a gestão de Ary Garcia Rosa, as Atas das reuniões do IAB começaram a registrar o nome do arquiteto gaúcho Miguel Pereira. Iniciava-se uma das mais constantes e duradouras militâncias do IAB. Nascido no Alegrete (RS, gaúchos jamais dizem “em Alegrete”, mas “no Alegrete”), Miguel Pereira mantinha o gosto pela leitura de livros do romantismo brasileiro. Isso marcou a maneira como ele falava. Seus discursos apelavam à oratória oitocentista, seja na preocupação com o português castiço, seja pela várias metáforas que utilizava-se para realçar seus pontos de vista. Por exemplo: ao discursar, ele não dizia que alguém assumiu uma postura de defesa em relação a algum ponto; era mais fácil dizer que a tal pessoa manteve-se como uma atalaia (palavra que tanto gostava). Ele não dizia que houve dificuldades e que agora a situação estava mais fácil; preferia dizer que as escarpas foram vencidas e que os sobreviventes alcançaram a fértil planície.
Com sua militância e seus discursos admiráveis, Miguel Pereira presidiria o Instituto de Arquitetos do Brasil por três gestões. Seria um dos principais articuladores da Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo; chegaria à vice-presidência da UIA. E representaria a continuidade que ligava o primeiro projeto do CAU, de 1958-1959, ao projeto definitivo, aprovado em 2010. Para tristeza dele, muitos tombaram, outros abandonaram a causa. E se ele gostava da palavra atalaia, não há dúvidas de que ele, Miguel, manteve-se como uma atalaia que perseverava no ideário de um conselho próprio. Foi derrotado em 1959, foi derrotado em 1979, mas manteve seus discursos decididos, até que rejubilou-se em 2010, ao ver concluída a obra acalentada por gerações e por ele próprio por mais de meio século de lutas.
* Irã Dudeque é presidente do IAB-PR e vice-presidente do IAB-DN